1 de Abril de 1799

Alms House in Spruce Street, Philadelphia, by William Birch (1799)

Hoje, vi a prisão hospital, Alms House, ou Bettering House. Esta prisão ocupa metade de um quarteirão, e faz uma frente para Six Street, meia frente para um beco, que fica entre Walmut e Spruce Street, e que corre desde Four até Six Street; outra frente para o cercado da igreja africana, ou templo dos pretos; e outra meia frente para Spruce Street. A parte que fica para Spruce Street contém uma casa e a entrada para a prisão; a frente de Six Street contém parte edifício, e parte muralha, e a parte que fica para o beco contém uma casa no meio da frente, e tudo o mais é uma muralha ou muro de pedra que cerca o pátio da prisão de que falarei depois.


Há nestas casas três repartições diferentes: uma, onde estão as mulheres, outra, onde estão os homens juntos, e outra, onde estão as solitary cellars, que correspondem ao nosso segredo. A repartição das mulheres consta de dois dormitórios ou corredores separados, um, para as mulheres de todos os crimes, que são condenadas por sentença a um certo tempo de prisão, e outro, para as prostitutas, que são turbulentas, que as encerram sem processo de justiça por um certo tempo, até se reformarem, mas este tempo nunca passa de um mês (Nota à margem – O único serviço que as mulheres fazem no seu pátio, que é separado do dos homens, é o lavar, e tem a sua cozinha separada). A repartição dos homens, como mais numerosa, contém maior número de dormitórios, que são 4, com celas grandes onde cabem muitos presos; estas celas têm
porta para o corredor e com uma ou duas janelas para fora, mas, se as janelas estão para a parte da rua, têm por fora uma rótula que impede que os presos vejam quem passa pela rua, ou que da rua os vejam. Em cada uma das celas há um número de leitos, um para cada preso; e neste
leito, a roupa de cama, que é um colchão, dois lençóis, um travesseiro, uma coberta, e, no meio da cela, uma mesa para a escola da noite, de que logo falarei. As celas solitárias estão com o mesmo arranjamento, com a diferença de que são muito menores que as outras, e em cada uma só vive um preso. Há mais em um dormitório duas grandes celas que servem de enfermaria aos presos e que de 3 em 3 meses, ou de 6 em 6, se transfere para outro lugar, e as paredes se raspam e caiam de novo. Há também uma pequena e simples botica que tem muito pouco uso pelo que logo direi; os corredores para onde as celas têm as portas servem de oficinas para trabalharem todos os ofícios que trabalham em casa, e sem estrondo, tais são: os sapateiros, alfaiates, etc., e no pátio estão as forjas para os ferreiros, os teares, etc., tudo em casas próprias; e no meio do pátio trabalham os canteiros, etc. – aqui encontrei 6 teares de homens, sapateiros, 20 homens que faziam cabeças a pregos, 8 que cortavam os pregos (vide como no caderno de observações n…… nota.………), 140 obreiros, etc. No pátio há um grande tanque onde os presos se banham quando é verão. Cada um dos presos, assim que entra, tem aberta uma conta de receita e despesa, e onde se lhe lançam os ganhos que faz com o seu trabalho e onde se assentam os gastos ordinários que faz; todo preso, assim que entra, é perguntado pelo seu ofício e empregado a trabalhar nele, pois que há manufactura de tudo; e se não sabe ofício algum ou se emprega como jornaleiro e servente dos ferreiros, canteiros, etc., ou se lhe ensina algum ofício. De manhã cedo, cada prisioneiro varre o seu quarto, faz a sua cama, arranja a sua roupa, e espera que toque a campanhia para o trabalho, e ela toca assim que o dia alumia; abrem-se as portas dos quartos e os presos saem tomando cada um o trabalho até o meio-dia; enquanto trabalham não podem conversar uns com os outros, assim reina o maior silêncio e ordem que pode imaginar-se; é curioso de notar aqui que as mulheres podem falar, e me disse o director que a razão desta concessão era o ter-se achado impossível, na prática, o efectuar-se a proibição de falar nas mulheres. Aqueles presos, que eram condenados noutro tempo com a prisão solitária, são empregados em trabalhos mais rudes, por exemplo, a fazer as cabeças a pregos onde a bulha dos martelos é tal que, ainda que estejam uns aos pés dos outros, não se podem ouvir ou entender. (Nota à margem – O carcereiro pode infligir a um preso a pena de prisão solitária, mas deve imediatamente dar parte aos administradores.) Ao meio-dia toca a campainha para jantar, e todos os presos largam o trabalho e vão sentar-se à mesa. Há três refeitórios, que são mesas estreitas e compridas, com bancos pelos lados; na mesa estão determinados os lugares dos presos. A mesa é coberta com uma toalha bem lavada, pratos de louça, um prato pequeno no lugar de cada preso, com uma sopeira e um talher de ferro, mas tudo muito limpo; no meio da mesa, de distância em distância, um prato grande cheio de vaca cozida, batatas, arroz de caldo e pão suficiente para cada um dos presos; entram para o refeitório dois a dois e sentam- se nos seus lugares, achando já defronte de si o prato ou sopeira cheia de caldo. Um dos presos, que tem a seu cargo o refeitório, observa se está cada um defronte do seu lugar, e lhes faz sinal para se sentarem; sentam-se e comem a sua sopa de arroz com caldo, e este prato lhe é imediatamente tirado, ficando o outro limpo que tinham por baixo; cada preso tira para o seu prato, do prato grande que está no meio da mesa, um pedaço de carne e duas ou 3 batatas, parte a quarta parte de um pão e come; assim se continua o jantar sem que nenhum deles fale, nem diga palavra. Quando todos tem acabado, o refeitório lhe faz o sinal, e todos se põem de pé, saindo, outra vez dois a dois, para o seu trabalho. Em um dos refeitórios estão os pretos, e como nessa mesa havia também brancos, estavam os brancos todos em uma ponta da mesa e os pretos em outra, porém, todos com a mesma ordem e decência. (Nota à margem – É de notar esta diferença entre negros e brancos conservada pelos Quakers, que são os advogados da liberdade, e igualdade dos negros.) Ao refeitório das mulheres serviam duas presas, uma preta e outra branca, e guardavam a mesma ordem, inda que é regra que as mulheres nunca comem carne, mas tem tudo o mais que tem os homens; a razão desta diferença é porque não fazendo trabalhos fatigados como os homens, e não tendo exercício, precisam de uma dieta refrigerante, porque ao contrário os alimentos fortes, como é a carne, lhe serviria de estímulo ao sistema e seria impossível manter a ordem e o sossego entre elas; e por esta mesma razão é muito regulada a dieta dos presos; e a experiência aqui tem expressamente decidido que os alimentos têm uma influência directa sobre os temperamentos; o mantimento é 50 libras de carne para 300 pessoas ao jantar, com as batatas, pão e arroz; tendo almoçado angu e melado, ao pôr-do-sol toca a campainha para deixar o trabalho, e vão para os quartos, e então se acendem as luzes e cada quarto é uma escola para aprenderem a ler; os que mais sabem ensinam os outros; depois disto vão à ceia que consta de angu de milho, e 7 pintos 9 de melaço para todos; depois da ceia poderiam os presos conversar nos quartos e, para o evitar, um é obrigado a ler para que os outros ouçam, e quando este está cansado outro o muda; a leitura é de livro de devoção ou de moral, e depois que todos dormem o leitor se deita.

A roupa da cama é sempre lavada e os colchões postos ao ar duas vezes cada semana; os cobertores que têm servido no inverno se lavam e se guardam todo o verão para servirem no inverno futuro. A despesa que cada preso faz por dia são 5 ½ cents. ou 44 réis. (Nota à margem – ½ cord de lenha chega por mês para o fogo nos quartos das mulheres, porém, carrega-se-lhe na despesa 15 cents. ou 12 réis, porque se atende às despesas extraordinárias do vestido (que é de pano fabricado na mesma prisão para aqueles que o necessitam, médicos, botica, etc.)

Todos os que servem a prisão são tirados do número dos presos, como os barbeiros, cozinheiros, refeitoreiros, administradores, etc., sendo empregados nestes ofícios os presos de melhor comportamento, e há, com efeito, presos que procedem muito bem; a razão é porque, ainda que
eles devam estar na prisão todo o tempo determinado pela sentença, contudo o Governador do Estado tem o direito de perdoar o tempo que falta (Nota à margem – O Governador pode perdoar mesmo a pena de morte, mas jamais o faz sem que a petição seja assinada pelos parentes e amigos do morto), se os administradores da prisão informarem que o preso se tem corrigido em costumes. (Nota à margem – E se tem junto algum dinheiro para gastar os primeiros tempos depois que sai da prisão.) Esta esperança faz com que os presos se comportem bem porque a sua boa vida é um meio de alcançar empregos na prisão, e depois obter mesmo o perdão; assim, não havendo nenhum preso que esteja em ferros, estão todos com o maior sossego possível, de modo que por muitos anos, o carcereiro, ou guarda da porta, foi uma mulher, e, enfim, para prova de que a casa serve de corrigir os costumes com a dieta que os presos guardam com emprego constante, e com o hábito da ordem, e arranjamento, referirei um ou dois fatos: um mulato, preso por grandes crimes, obteve o perdão de muitos anos de prisão; este mulato, conhecendo que o seu perdão era devido a sua reforma dos costumes, e esta devido ao bom arranjamento da prisão, se ofereceu para continuar a viver na mesma prisão, e que queria o empregassem em alguma coisa em que pudesse ser útil; aceitaram a sua oferta, e é hoje o boticário da prisão; um irmão do General Mullemberg, speaker da Casa dos Representantes, que tinha vivido em Paris em uma grandeza e luxo extraordinário, se reduziu à miséria, e para se sustentar fez letras falsas, e por este crime foi condenado a muitos anos de prisão; vi este homem que tinha vivido com tanta grandeza dobrando fio para um tear, vestido com umas calças e véstia de pano feito na prisão que é uma espécie de burel; e tendo por companheiro um rapaz marinheiro; entretanto estava contente e tinha um ar de cara alegre bem como todos os outros presos; eles não pedem esmolas às pessoas que visitam a prisão, respondem com toda a decência ao que se lhe pergunta; e tudo isto parece uma manufatura bem arranjada e ordenada, e por nenhum modo uma prisão. Enfim, caiu-me da algibeira uma lente, e, ao sair, um preso se chegou a mim para ma entregar dizendo-me que a tinha achado no pátio, quis-lhe dar algum dinheiro e ele recusou, porque lhe é proibido aceitar. É igualmente proibido visitar os presos, sem uma especial licença, porque, dizem eles, aqueles homens durante o tempo da sua pena estão mortos civilmente. Aos domingos, lavam-se todos de manhã, asseiam-se, etc., e juntam-se todos às 8 horas, e há quase sempre um padre de alguma religião que aí vai pregar-lhes, e, se não o há, um preso lê alguns capítulos da Escritura; e lê algum livro de devoções ou de moral, e às 11 horas acabam e vão para o pátio passear até ao meio-dia, sendo o único momento de descanso ou repouso perfeito em toda a semana. Portanto não têm prazeres porque os não merecem homens condenados por crimes, mas não padecem misérias, e adquirem sempre um hábito de virtude. (Nota à margem – De convictos que saem da prisão, ou por perdão ou por ter expirado o seu tempo, não há dois que entrem por reincidência – compare-se isto com a Europa!) De sorte que a prisão de Filadélfia é uma verdadeira casa de correcção, e a sua existência, há tantos anos, uma prova da possibilidade no melhoramento destas infames casas de corrupção e escolas de vício, que tem o nome de prisões na Europa. Em Filadélfia não se dá a pena de morte, comuta-se quase sempre a prisão; se um preso não quer trabalhar, o único castigo que lhe dão é diminuição de comer, fechá-lo em uma cela solitária e exortá-lo, eis aqui tudo: (f) …………

Há uma sociedade (d) intitulada For aleviating the miseries of the public prisons, e para honra dos Quakers devo confessar que ela é composta de Quakers; foi instituída em maio de 1737; o objecto dela se pode conhecer pelo artigo 7º da sua constituição: – “the ating commitee shall visit the public prisons, or such other places of confinement, of punishment as are ordained by the law, at least once every week”. (Nota à margem – Eles a visitam quase todos os dias: – “They shall inquire into the circunstances of every person confined; they shall report such abuses as they shall discover to the officers of government who are authorized to redress them; and shall examine the influence of confinement or imprisonment upon the morals of persons who are the subjects of them”.) Os benefícios que desta sociedade resultam são o que temos dito acima, de modo que, tendo evitado a comunicação com os outros, não se vendem nem se bebem na prisão licores espirituosos. O que os presos ganham é tão bem economizado que, quando saem, há sempre algum dinheiro que dar-lhe das suas sobras. (Nota à margem – Os seus restos lhe são entregues em dinheiro se eles se julgam capazes de não fazer dele um mau uso, ao contrário, lhe é dado em vestidos.) (g) Esta sociedade foi aprovada pela autoridade civil e se lhe confiou administração das prisões, e de então por diante, evidentemente, as prisões melhoraram os costumes, pela proibição dos licores espirituosos, pela separação dos sexos, pelo constante e útil emprego dos presos. É de uma grande satisfação para o género humano os grandes melhoramentos que se tem feito no código penal da Pensilvânia.
(a) Por uma lei passada no ano de 1786 se declaram crimes capitais unicamente assassinato, roubo, traição e arson; aboliram-se todas as penas corporais por pequenos crimes, e o número dos crimes diminuiu em vez de aumentar.
(b) Todos, ou quase todos, os criminalistas da Europa (mesmo Bacoria) dizem que o fim das penas é triplo: 1º) vingar a ofensa; 2º) remediar o dano feito, se é possível e do 3º) emendar o delinquente e servir de exemplo. A legislatura da Pensilvânia, em um ato passado em 1793, declara no preâmbulo que o fim do castigo é prevenir os crimes, reparar a injúria; ora, estes objetos se obtêm melhor pelos castigos moderados que por grandes penas; assim a pena de morte foi abolida em todos os casos que não fosse assassinato de 1º grau, premeditado, etc., roubo grande, etc.; para todos os outros crimes não há outro castigo que o trabalho violento e a prisão mais ou menos dilatada.

(c) Bettering House, de que falei, já está sumamente mal-administrada, inda que a instituição seja excelente. Ela é sustentada por uma taxa ou tributo; nela estão os pobres velhos e impossibilitados da cidade, mas, como todos os anos ou todos os 6 meses se mudam os administradores, isto faz com que eles não administrem bem, uns por ignorância dos negócios da casa, pois que em 6 meses não podem estar assaz instruídos, e outros por falta de afeição, porque em um ano não adquirem aquele apego que é necessário ter; assim, a quinta, que devia servir de emprego para os pobres, que podem trabalhar, estava feita jardim de prazer, com decorações e coisas por nenhum modo próprias; os enjeitados mal-vestidos e porcos, as mulheres mal-arranjadas, um fétido insuportável em toda a casa, etc., (vide dia 11 de julho).

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