16 de Março de 1799
Hoje, como era sábado, estive na sinagoga dos judeus, e estavam ao ofício divino quando eu entrei. Na casa, embaixo, estavam 20 homens, sentados em bancos, e cada um tinha uma estola branca sobre os ombros, de 3 palmos, pouco mais ou menos, de largura, que ficava alguma coisa caída pelas costas abaixo, mas que se segurava porque as pontas estavam pela parte de dentro dos braços, e só o padre ou sacerdote a tinha bem estendida sobre os ombros; este estava vestido de casaca preta, de bacalhaus ao pescoço, e como capa por cima da casaca também preta como a que trazem os ministros de Portugal, e, por cima a estola, que era de seda, assim como a de outros muitos, porém os mais pobres a tinham de linho ou lã, e até os meninos que assistiam estavam de estola. Por cima, havia uma tribuna arredor das três paredes, ficando só sem tribuna a parede onde estava o armário, e nestas tribunas estavam todas as mulheres e nenhum homem, assim como embaixo não havia alguma mulher; duas mulheres, que pude ver debaixo do lugar onde fiquei, tinham a cabeça coberta com um véu preto, mas transparente. Dentro de um quadrado de grades, que há no meio da casa defronte do armário, estava uma mesa e um banco, ao pé da mesa estava o padre, e mais dois, um de cada lado, que cantavam em hebreu u canto semelhante ao salmear dos católicos, e liam em um pergaminho, que tinham sobre a mesa, e quando acabavam um canto (que suponho ser um salmo) o padre fazia um risco no pergaminho com um ponteiro de prata que tinha na mão, e todo o povo cantava uma pequena cantiga em hebreu, pois que todos tinham na mão um pequeno livro em hebraico, por onde liam, e de que eu não podia perceber senão algumas palavras que se assemelhavam com o latim ou que nós usamos, por exemplo, Elloi, que repetiram muitas vezes Kyrios, etc. Quando acabaram, enrolaram o pergaminho que, pra se enrolar mais facilmente, tinha em cada ponta uma varinha de pau; depois de enrolado o ligaram com uma faixa branca por um lado, e verde por outro, e depois de bem ligado todo com esta faixa o cobriram com uma espécie de saiote, de seda também verde; e como as extremidades dos paus ou varas do pergaminho ficavam de fora do saiote, espetaram em cada um uma maça de prata que tinha ao redor vários pendentes doirados; depois, abriram outro pergaminho, que segurava outro homem, cujas coberta e faixa eram encarnadas e, desse, leram menos, e depois de terem acabado o enrolaram, ataram com a faixa, encobriram com o saiote, e deram a um, que segurou nele, e, ainda que as duas varas deste ficassem também fora do saiote, não foram cobertas por maças de prata, como os outros; depois, estes pergaminhos foram levados em procissão para o armário, onde se guardaram em pé, e lá havia outros muitos com o mesmo aparato; e são estas maças de prata que me pareceram os candeeiros de que falo (dia 9 deste mês) atrás. Voltou depois o padre para o seu lugar e aí fez orações por alguns objectos, dos quais entendi um, e foi pela prosperidade dos Estados Unidos, pois disse o testamento em inglês; cada um dos assistentes foi ao pé do padre e lhe disse ao ouvido alguma coisa, que ele cantava; acabado isto, se foram embora, e todos o rapazes foram ao pé do padre que lhe punha as mãos sobre a cabeça. O que me admirou é que todos, até os meninos, soubessem ler o hebraico.
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